Assembleia de Terceirizados da UnB com o Sindiserviços-DF em 2018
Foto: Robson Silva
postado em 06/08/2019 10:22
As consequências do bloqueio de 30% no orçamento da Universidade de Brasília (UnB), implementado em abril pelo Ministério da Educação (MEC), sob a justificativa de identificação de “balbúrdia” nos câmpus, ganharão força entre o fim deste mês e o início de setembro. A universidade, que retoma as aulas dia 12, corre o risco de não conseguir renovar contratos, como o de vigilância e o de limpeza. “Para eu firmar o contrato, tenho de provar ter orçamento para um ano. A legislação é muito rígida. O contingenciamento me impedirá de renová-los”, alertou a reitora Márcia Abrahão Moura, em entrevista ao CB.Poder — uma parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília.
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Desde o corte de R$ 38,2 milhões, a universidade usa recursos da arrecadação própria para completar o orçamento e arcar com as despesas. Com o esgotamento do dinheiro, a reitoria busca opções para manter as contas em dia. “Ainda estamos trabalhando com a sensibilização do governo para descontingenciar”, disse Márcia. Conforme a reitora, caso a UnB não recupere a verba, não há planos, por exemplo, para a segurança dos câmpus. “O ministro sugeriu que a gente trocasse a vigilância pela Polícia Militar, o que não é possível, porque somos um órgão federal e, não, estadual”, observou.
A reitora apontou “inconsistências” no programa Future-se. Lançado no mês passado, o projeto prevê, segundo o MEC, o fortalecimento da autonomia das universidades — a proposta abre espaço para que Organizações Sociais (OS) tomem a frente da gestão. Márcia ainda criticou o debate sobre a cobrança de mensalidades em federais. “A Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) fez um estudo que mostra que mais de 70% dos estudantes das universidades federais vêm de famílias com renda de até um salário e meio. Essa discussão não tem sentido em um país com essa situação e não resolve de forma alguma a nossa situação orçamentária”, argumentou.
Marcia Abrahão, reitora da UnB(foto: Ed Alves/CB/D.A Press)
O Programa Future-se, lançado recentemente pelo Ministério da Educação, é alvo de críticas de professores e reitores. Qual a sua avaliação sobre o projeto?
Na sexta-feira, fizemos um debate sobre o programa no Conselho Universitário. Nós avaliamos que ele parte de um diagnóstico que nos interessa, pois demonstra que há pouca autonomia nas universidades. Mas a solução proposta vai na contramão do diagnóstico: coloca toda a administração com uma Organização Social (OS) e com o Ministério da Educação. Existe um receio muito grande de uma intervenção excessiva da iniciativa privada na universidade, o que pode comprometer a autonomia. E há quem avalie que falta uma parceria com o mercado, com participação mais efetiva do setor produtivo.
Existem realidades muito diferentes nas universidades brasileiras. A UnB é uma que tem muita parceria com a iniciativa privada. Cerca de 40% do nosso orçamento provêm de arrecadação própria: temos contratos, convênios, aluguéis de imóveis. O projeto apresentado parece desconhecer a realidade de algumas universidades.
Em que pontos?
Por exemplo, na própria questão da parceria com a iniciativa privada. Nós temos uma relação forte, arrecadamos muito. Porém, se arrecadarmos algo que ultrapassa o limite previsto em lei, vai para o Tesouro Nacional. É um desestímulo à arrecadação.
A senhora publicou um artigo no Correio Braziliense no último sábado. Nele, disse que há possibilidade de aperfeiçoamento do Future-se. Em que sentido?
O projeto, em si, traz alguns problemas. Não sei se o caminho é por meio dessa proposta específica. Temos que aperfeiçoar a proposição em geral. Por exemplo, no meio do projeto, coloca-se que a revalidação do diploma, hoje feita nas universidades públicas, passe a ser realizada nas privadas. Além disso, temo que tenhamos uma redução dos controles feitos pelo Sistema de Gestão Universitária e pelo Tribunal de Contas da União ao passarmos para uma OS a atribuição que é do governo. Então, tem, sim, muito a se discutir. Por exemplo, há a lei de doações. A UnB regulamentou a doação, mas o governo, agora, trouxe vetos que a prejudicam, pois tira, por exemplo, a isenção fiscal que estimula as contribuições. Outra coisa importante é que o programa de governo fala “menos Brasília, mais Brasil”. Mas, ao implementar o Future-se, centraliza as decisões no Ministério da Educação. Há inconsistências.
Recentemente, a UnB entrou no centro de uma polêmica imensa, depois da declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub, sobre suposta balbúrdia. Houve uma reação muito grande em defesa da universidade para mostrar o trabalho desenvolvido. Isso é página virada ou ainda há alguma repercussão negativa?
Tenho respeito ao que ele pensa. Mas há consequência dos atos. Antes da declaração, veio o bloqueio orçamentário. E nós fomos a primeira universidade a ter o contingenciamento de 30%, que permanece. A UnB, como todas as universidades, é um lugar de debate, de divergências. Estive com o ministro. Levei para ele os dados da UnB: de acordo com o Times Higher Education, somos a 5ª melhor universidade do Brasil e a 15ª, da América Latina.
E o que ele disse?
Disse que acha que é muito pouco. Que não interessa que as universidades estejam bem no Brasil ou na América Latina; interessa a repercussão mundial. Porém, existem estudos que mostram que, quanto mais se investe na universidade, maior a repercussão mundial.
E como a universidade está se virando?
Não está fácil. Desde que assumi, fizemos muitos ajustes, o que nos deu fôlego para enfrentarmos esse novo momento já numa situação equilibrada. Tínhamos ajustado as contas no fim do ano passado e estávamos prevendo gastos com o orçamento aprovado pelo Congresso. Mas tivemos a surpresa. Estamos monitorando diariamente. Continuamos com as contas em dia por enquanto. Contudo, daqui a um mês ou dois, teremos muitas dificuldades. Por quê? Para eu fazer um contrato, tenho de provar que tenho orçamento para um ano. A legislação é muito rígida. Então, o bloqueio me impedirá de fazer novos contratos de limpeza e etc. Isso é muito grave.
Desde a polêmica da “balbúrdia”, o governo tenta direcionar os recursos das universidades para as áreas de exatas e as médicas, em detrimento das áreas sociais, que são a base da formação do pensamento ocidental. Como a UnB lida com isso? Há um descompasso?
Essa é uma preocupação muito grande. Atrelado à questão da balbúrdia, um dos artigos do Future-se permite a premiação de estudantes dependendo do comportamento. Nós nos preocupamos com o formato de aplicação desse critério. No caso da UnB, temos cursos e programas de excelência das áreas humanas e de exatas. Internamente, não existe essa diferença. Por isso, não podemos abrir mão da nossa autonomia. Se o governo fala em autonomia, precisa conceder a autonomia de gestão, que está prevista na Constituição — inclusive, com relação {a nomeação de reitores. Internamente, tudo funciona de forma harmoniosa entre humanas e exatas. Se for colocar nas mãos do mercado, minha área, por exemplo, que é geociência, tem mais apelo do que uma área de ciência básica ou humanas. A universidade funciona de forma integrada. Temos muita preocupação em delegar a gestão a uma Organização Social, com um conselho que está indefinido.
O contingenciamento atingiu principalmente quais áreas? Onde a UnB cortou? Afeta material de laboratório e dia a dia das pesquisas?
São coisas distintas. A pesquisa é financiada principalmente pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, que também passaram por cortes. Então, tivemos bloqueios em bolsa de pós-graduação e em pesquisas do CNPQ. O contingenciamento de 30% caiu sobre alguns projetos. Por exemplo, Hospital Veterinário, capacitação técnica e funcionamento da universidade. Como a UnB também tem recursos próprios, estamos usando parte deles para cobrir alguns contratos. As renovações, a partir do fim de agosto e início de setembro, é que estão correndo risco, assim como o pagamento de contas de luz e água.
O corte vai atingir contratos de vigilância, por exemplo? É uma grande preocupação.
A área pode ser atingida, porque estamos em uma fase de renovação do contrato e precisamos demonstrar que temos orçamento.
E como a UnB vai resolver a questão?
O ministro sugeriu que a gente trocasse a vigilância por Polícia Militar, o que não é possível, porque somos um órgão federal e não estadual. Ainda estamos trabalhando com a sensibilização do governo para descontingenciar. Tanto nós, como a Andifes.
Um dos critérios de avaliação das universidades trata do posicionamento nos rankings nacionais e internacionais. Como está a situação da UnB?
Por isso ficamos chateados com os cortes. A UnB tem se mostrado muito qualificada. Nossa citação de artigos, critério usado inclusive para a percepção internacional, subiu mais de 100% nos últimos seis anos, apesar das barreiras linguísticas, uma vez que temos de escrever em inglês. Ao mesmo tempo em que o Ministério da Educação fala que não somos internacionalizados, corta um programa de muito sucesso: o Idiomas sem Fronteiras. Um país que já é distante em termos físicos e linguísticos daqueles que têm a pesquisa mais forte precisa de incentivos.
Uma das razões da má classificação das universidades brasileiras em rankings internacionais é a internacionalização. O que a UnB está fazendo sobre isso?
Apesar da redução orçamentária, aumentamos os subsídios em institutos e faculdades. Estamos fazendo um esforço para contratar professores estrangeiros. Foram 30 no ano passado, e vamos abrir um edital para mais 45. Também estamos investindo em editais para participação em eventos internacionais e financiando traduções de artigos. Além disso, existe o Capes Print para a internacionalização das universidades. Poucas foram contempladas. A UnB é uma delas. Estamos em pleno desenvolvimento desse projeto que permite mandar alunos para o exterior e trazer pesquisadores para cá.
Um debate que cresceu é a possibilidade da cobrança de mensalidade nas universidades públicas para que o governo possa deslocar recursos e investir na educação básica. O que acha disso?
A Andifes fez um estudo que mostra que mais de 70% dos estudantes das universidades federais vêm de famílias com renda de até um salário e meio. Essa discussão não tem sentido em um país com essa situação e não resolve de forma alguma a nossa situação orçamentária. Isso desloca o debate para o lado equivocado, traz uma competição entre educação básica e superior que não contribui para nada. Não acho que a medida seja adequada, mesmo porque a Constituição garante a educação pública e gratuita.
Esse percentual tem ligação com as cotas?
Com certeza. Cursos de alta demanda, como medicina, relações internacionais e direito, só passaram a ter mais pessoas de baixa renda depois das cotas. Por quê? Não é uma questão de mérito. Os filhos de quem tem mais renda estudam nas melhores escolas, falam outras línguas.
Embora sejam inclusivas, as cotas não abaixam o nível dos cursos? Há uma evasão muito grande?
Na verdade, fizemos um estudo que mostra que, sim, os cotistas, às vezes, entram com um nível mais baixo. Mas, na hora da saída, não há diferença. Eles conseguem acompanhar, apenas precisavam daquela oportunidade.